A nossa equipe de reportagem teve o grato privilégio de ganhar acesso a uma aldeia gótica, onde esta noite com um pouco de sorte iremos assistir in loco a um espectáculo que raramente o homem civilizado pode testemunhar: a dança das Góticas, uma impressionante demonstração de folklore tribal, plena de beleza e significância, comparável à dança da vitória dos Maori neozelandeses.
Para começar, note-se que a raça gótica é composta por diferentes etnias, sendo difícil para o leigo diferenciá-las tão grande parece ser sua homogeneidade. Repara-se a olho nu nos apetrechos e indumentárias das fêmeas da tribo. Desde o longo cabelo negro, com madeixas coloridas ou totalmente pintado com cores garridas, até às botas de couro de altíssimo tacão, desde o corpete de vinil negro à bolsinha do Jack Skellington, o não iniciado não consegue distinguir entre as góticas puras, as pseudogóticas, as neo-góticas e outras etnias menores. Por isto neste programa, usaremos o termo genérico Góticas para melhor compreensão dos nossos teleespectadores.
Neste momento encontrámo-nos no centro da aldeia; o habitat natural dos Góticos reconhece-se facilmente pelas caveiras de boi e de carneiro nas paredes, a ingestão de shots com nomes como Sangue de Cristo ou Bruxaria, e a total ausência de pessoas de origem africana. Aos nossos olhos de Homens civilizados e ocidentais, tais usos, costumes e tradições parecem-nos estranhos, desconcertantes e bizarros, quando não mesmo patéticos. Porém há que manter um espírito aberto de forma a não ofender os nativos (principalmente um com uma braçadeira com uma cruz da Luftwaffe que nos olha com ares pouco amistosos). Lembrem-se que a beleza do mundo encontra-se na diversidade da Natureza.
O momento chega finalmente. "Sex, Drugs...INDUSTRIAL" ressoa no meio da aldeia. Temos sorte e captámos não uma, mas três góticas a executarem a tão famosa dança. Apesar de ser uma dança solitária, a aparente dessincronização entre as três indígenas parece obedecer a um determinado método, criando-se entre elas uma forte sinergia que ainda embeleza mais o bailado. Pode-se mesmo dizer que esta é uma noite de sinergia!
Como é costume quando se trata da Natureza no seu estado bruto, o mais impressionante tem, não raras vezes, a sua origem na simplicidade. Repare-se na coreografia mais usual seguida por elas. Parece fácil, não é? Porém executar tais movimentos com a graça e o sentimento das góticas é um dom inato. Consiste em inclinar o tronco para a frente formando um ângulo de 90º, colocar uma mão em cada joelho, inclinar a cabeça para baixo, e mantendo o resto do corpo totalmente rijo e imóvel, rodar a cabeça de um lado para o outro ao ritmo ritual tocado pelo Xamã.
Pernas abertas ou fechadas: duas escolas de pensamento
Esta dança mais tradicional das góticas não é igual para todas. Enquanto umas preferem executar a dança de joelhos juntos, outras preferem manter os membros inferiores mais apartados. Talvez nunca venhamos a saber o porquê desta opção. Porém existem duas correntes de pensamento antagónicas sobre essa questão, elaboradas por estudiosos ocidentais.
O antropólogo inglês Sir Montgomery Wolverhampton, manteve contacto com a civilização gótica desde os seus primórdios, no fim da década de 70 em bares suburbanos de Londres e Manchester, na consequência da queda do Império Punk, uma outrora orgulhosa civilização que entrou em declínio devido à utópica instalação de um governo anarquizado, e à pobre higiene corporal. Para Sir Montgomery, a dança das góticas é uma dança de acasalamento, procurando atrair os membros machos da tribo. Durante o ritual, os machos mantêm-se encostados às paredes, em silêncio e imobilidade cerimonial, segurando uma bebida na mão, olhos prostrados no solo. Convém afirmar que não raras vezes os machos e as fêmeas desta raça são confundidos, mas os machos destacam-se pelo facto da maioria deles preferir andar de calças, e usarem mais make-up. Para Sir Montgomery, a menor ou maior abertura dos membros inferiores deve-se ao período de cio da fêmea, e menor ou maior predisposição para o coito. Um apaixonado de sempre pela cultura goth, Sir Montgomery é consultor da BBC para documentários sobre tribos urbanas.
Já o historiador francês Pierre de Saint-Armand atribuiu à dança um cariz mais espiritual. A abertura ou fecho das pernas é uma especificação do culto de cada etnia gótica. Para Saint-Armand a teoria da dança de acasalamento não tem significado, porque nas suas eternas palavras: "A propagação da raça gótica faz-se por conversão, já que a raça gótica é assexuada. Excepto os homens, que são todos uma cambada de gays". Tal controversa afirmação é justificada pela observação e experiência própria, já que durante anos, Pierre de Saint-Armand tentou acasalar com inúmeras fêmeas goth. Aparentemente sem sucesso. Desiludido, Saint-Armand virou os seus estudos para as mulheres metaleiras, tendo misteriosamente desaparecido num mosh pit durante um concerto dos Cannibal Corpse em Nantes, no verão de 1993.
Variantes e novas tendências:
Este espectáculo que tivemos o prazer e deleite de assistir é a dança-padrão desta tribo específica, para quase todo o tipo de sonoridade tribal, desde industrial a old school goth rock. Porém cada tribo tem a sua própria variante, tradicionais ou novas, todas elas com a sua própria graça; já falamos nas que preferem ter os joelhos juntos e as que preferem os joelhos afastados; há ainda as que preferem rodar a cabeça no sentido dos ponteiros do relógio e as que o fazem no sentido inverso ao do dos ponteiros do relógio. Há ainda as que preferem manter as pernas afastadas e em completa imobilidade, e simplesmente contorcer sinuosamente o tronco. E as de raça mestiça que preferem um violento head banguing mais ao estilo da tribo dos Metaleiros.
À medida que entramos cada vez mais no século XXI, é difícil de prever o que será o futuro desta raça. O que parece evidente é que as coisas não estão - ao contrário do que eles próprios prefeririam - tão negras assim. É certo que são uma raça antiga e orgulhosa, e nunca abrirão mão dos seus valores e tradições mais sagradas e antigas. Mas simultaneamente, há um nicho de mercado muito interessante para a sua espécie, com uma oferta de coisas que os encantam tais como lojas de roupas e artigos, livros, filmes, comic books, etc., que poderão facilmente adaptar da melhor maneira esta ancestral raça na sua transição ao novo mundo em que vivemos.
Com o coração e a mente ainda maravilhados com o que acabámos testemunhar, esperamos que este programa vos tenha agradado.
(Retransmitido el próximo Viernes, 12 de Enero, por las 22.30 - hora de Madrid)
(O programa será repetido na próxima 6ª-Feira, 12 de Janeiro às 21.30 - hora de Lisboa)